O Trabalho Invisível e as Múltiplas Jornadas da Mulher

O ENEM de 2023 escolheu como tema de redação “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”, destacando uma questão há muito debatida.

O termo “trabalho invisível da mulher” descreve um tipo de trabalho que, embora essencial, não é oficialmente reconhecido. Ele engloba as atividades desempenhadas por mulheres em casa, nos negócios de seus cônjuges e inclui cuidados não remunerados, como a atenção aos filhos, idosos, parentes doentes ou deficientes. Apesar de sua importância, esse trabalho não é contabilizado na avaliação da riqueza de um país.

Esse tipo de trabalho é diverso e abrangente, englobando situações como a esposa de um agricultor trabalhando na lavoura sem um status específico, a filha de um comerciante ajudando ocasionalmente, ou uma mulher que deixa o emprego para cuidar de um membro da família necessitado. Não se trata de trabalho informal pago “por baixo dos panos” e ao abrigo dos impostos. Sua essência reside nas tarefas domésticas que preenchem as lacunas dos sistemas públicos, sendo tradicionalmente atribuídas às mulheres.

O “trabalho invisível” é, por vezes, chamado de “trabalho doméstico” ou “trabalho de dona de casa,” termos que eram mais comuns na década de 1960. Essas atividades se enquadram na esfera privada da família e da sociedade e, como tal, não são remuneradas. São invisíveis, uma vez que, exceto as filhas, outros membros da família, incluindo o cônjuge, frequentemente não percebem as tarefas diárias realizadas e as responsabilidades que recaem sobre as mulheres.

O trabalho invisível é ainda mais imperceptível devido ao papel tradicionalmente imposto às mulheres pela sociedade patriarcal. Por não ser remunerado, esse trabalho carece de valor social e econômico, embora seja uma tarefa constante e árdua que merece reconhecimento, valorização e compartilhamento.

Os números são surpreendentes. Quase 70% do trabalho invisível é executado por mulheres, das quais 89% relatam discriminação no trabalho devido a essas atividades extras. As mulheres realizam 2,6 vezes mais trabalho doméstico do que os homens, resultando em 18% menos tempo de lazer em média. Além disso, as mulheres são menos remuneradas quando comparadas em uma base global, com 83 países incluídos na análise.

Em pleno século XXI, o trabalho invisível é predominantemente realizado por mulheres, prejudicando seu desenvolvimento pessoal, profissional, social e econômico. Em 2010, as mulheres dedicavam, em média, 3 horas e 26 minutos por dia a tarefas domésticas, enquanto os homens dedicavam apenas 2 horas. Essa diferença anual de 523 horas, equivalente a 13 semanas de trabalho adicional de 40 horas, resulta em desvantagens significativas para as mulheres.

Essa disparidade aumenta o risco de as mulheres enfrentarem situações precárias e viverem em situações de pobreza ao longo de suas vidas. A entrada das mulheres no mercado de trabalho levou à esperança de que a partilha do trabalho invisível seria equitativa, mas, na realidade, isso apenas ligeiramente alterou a divisão de tarefas nas famílias.

O trabalho invisível não deve ser limitado por gênero, pois homens e mulheres podem executar todas as suas facetas. A distribuição desigual desse trabalho entre os gêneros é influenciada por normas sociais e culturais que remontam a tempos passados, permeadas por estereótipos de gênero.

Esse trabalho é uma parte intrínseca dos papéis e responsabilidades historicamente atribuídos às mulheres, independentemente do nível econômico das famílias. Além disso, ele gera desigualdades entre as próprias mulheres, já que as famílias com recursos financeiros frequentemente contratam ajuda doméstica, deixando a mãe/esposa responsável pela supervisão das atividades do lar.

Os jovens que participaram do ENEM em 2023 tiveram a oportunidade de destacar como o trabalho invisível permeia todas as áreas de suas vidas. Está intrinsecamente ligado a questões pelas quais as mulheres lutam, como igualdade salarial, acesso a cargos de liderança, equilíbrio entre família, trabalho e estudo, licença parental e cuidado de entes queridos que perdem sua autonomia, segurança econômica e violência de gênero.

A expectativa é que o movimento feminista, que é impulsionado por organizações comunitárias, sindicatos e engajamento em redes sociais, finalmente inclua essa luta em suas pautas, e que os homens se juntem com dedicação para assumir sua parcela desse trabalho essencial. A geração mais jovem tem o potencial de romper o ciclo de discriminação de gênero.

Sem o reconhecimento do trabalho invisível, a verdadeira igualdade entre homens e mulheres permanecerá distante. Portanto, é fundamental afirmar repetidamente: o trabalho invisível é importante.